Descubra a incrível e cômica história da “Guerra do Porco”, o conflito de 1859 em que os EUA e a Grã-Bretanha quase foram à guerra por causa de um porco morto e uma horta de batatas. Um capítulo bizarro da história que você não pode perder!
Você já parou para pensar no que poderia iniciar uma guerra entre duas das maiores potências mundiais? Disputas territoriais, ideologias conflitantes, alianças quebradas… tudo isso parece plausível, certo? Agora, e se eu lhe dissesse que um simples porco, com um apetite especial por batatas, quase acendeu o pavio de um conflito armado entre os Estados Unidos e o Império Britânico? Parece roteiro de comédia, mas essa história é cem por cento real. Em 1859, um incidente aparentemente trivial em uma ilha remota do Pacífico se transformou em uma crise diplomática internacional, um impasse militar que durou meses e que, felizmente, terminou de forma tão bizarra quanto começou. Esta é a incrível saga da “Guerra do Porco”, um lembrete fascinante de como o orgulho nacional e um jantar arruinado podem se tornar uma questão de Estado.
Para entender como um animal de fazenda ganhou tanto destaque, precisamos voltar um pouco no tempo, para um cenário de tensões latentes. Em meados do século XIX, o noroeste do Pacífico era uma fronteira em ebulição. O Tratado de Oregon, assinado em 1846, tinha como objetivo traçar uma linha clara entre os territórios americanos e britânicos, estabelecendo a fronteira ao longo do paralelo 49. No entanto, o tratado continha uma falha geográfica crucial. Ao descrever a fronteira através das ilhas do canal, o texto era ambíguo, mencionando “o meio do canal que separa o continente da Ilha de Vancouver”. O problema? Havia dois canais principais que se encaixavam nessa descrição: o Canal de Haro, a oeste, e o Canal de Rosario, a leste. Entre eles, ficava o estratégico arquipélago das Ilhas San Juan. Naturalmente, os EUA reivindicaram a fronteira pelo Canal de Haro, o que lhes daria as ilhas, enquanto a Grã-Bretanha insistia no Canal de Rosario, o que manteria o arquipélago sob a bandeira da Coroa. Essa ambiguidade transformou as ilhas em uma zona de soberania disputada, onde colonos de ambas as nações viviam em uma coexistência tensa, lado a lado, mas cada um sob suas próprias leis e lealdades.
É neste caldeirão de incertezas que a nossa história realmente começa. De um lado, tínhamos os colonos americanos, movidos pelo espírito do “Manifesto Destiny”, a crença de que sua nação estava destinada a expandir-se de costa a costa. Do outro, os funcionários da Hudson’s Bay Company, uma poderosa corporação britânica que administrava um vasto império de comércio de peles e via os americanos como intrusos em suas terras. A ilha de San Juan, a mais importante do arquipélago, era o palco perfeito para o atrito. A companhia britânica havia estabelecido uma grande fazenda de ovelhas, enquanto um punhado de agricultores e aventureiros americanos tentava fincar raízes e construir uma vida nova. A paz era frágil, e só era preciso uma pequena faísca – ou, neste caso, o focinho de um porco – para que tudo explodisse.

O Estopim Suíno e a Disputa de 100 Dólares
O dia 15 de junho de 1859 amanheceu como qualquer outro para Lyman Cutlar, um fazendeiro americano que se mudara para a ilha em busca de prosperidade. No entanto, sua rotina foi quebrada por uma cena de pura frustração. Pela enésima vez, ele encontrou um grande porco preto remexendo sua horta e devorando suas preciosas batatas, o sustento de sua família. O porco não era um animal qualquer; pertencia a Charles Griffin, um funcionário irlandês da Hudson’s Bay Company. As invasões do animal já haviam se tornado um problema recorrente, um símbolo constante da presença britânica que, na visão de Cutlar, desrespeitava sua propriedade. Farto dos prejuízos e da falta de providências, a paciência de Cutlar chegou ao limite. Ele pegou seu rifle e, com um único tiro, abateu o invasor de quatro patas. O porco que adorava batatas havia comido sua última refeição.
O que poderia ter sido resolvido com um pedido de desculpas e um acordo de vizinhança rapidamente escalou. Charles Griffin, ao descobrir seu porco morto, foi tirar satisfações com Cutlar. A conversa foi tudo, menos amigável. Griffin exigiu uma indenização de 100 dólares, uma quantia astronômica para a época, equivalente a milhares de dólares hoje. Para um fazendeiro como Cutlar, era uma fortuna impagável. Ele argumentou que o porco estava invadindo sua propriedade e que o valor do animal não chegava nem perto disso. Em uma tentativa de conciliação, Cutlar ofereceu 10 dólares como compensação, uma oferta que Griffin considerou um insulto e recusou de imediato. A discussão transformou-se em um impasse. “Foi você que deixou seu porco entrar na minha horta”, teria dito Cutlar. “É sua responsabilidade mantê-lo fora”, retrucou Griffin. A partir daí, a questão deixou de ser sobre batatas e porcos, e passou a ser sobre direitos, soberania e orgulho ferido.
Sentindo-se ultrajado, Griffin levou o caso às autoridades britânicas locais, que representavam a Hudson’s Bay Company. A resposta foi dura e imediata: eles ameaçaram prender Lyman Cutlar e levá-lo para ser julgado em Victoria, na Colúmbia Britânica. Para os colonos americanos na ilha, essa ameaça foi a gota d’água. A ideia de um cidadão americano ser preso por autoridades estrangeiras em um solo que eles consideravam seu era inaceitável. Eles rapidamente redigiram uma petição e a enviaram ao General William S. Harney, o comandante do Departamento Militar de Oregon, um homem conhecido por seu temperamento forte e seu profundo desprezo pelos britânicos. A disputa de quintal estava prestes a se tornar uma crise militar de proporções internacionais.

A Escalada Militar: Canhões Apontados, Bom Senso Adiado
A reação do General Harney à petição dos colonos foi exatamente a que eles esperavam: rápida e assertiva. Vendo na disputa a oportunidade perfeita para afirmar a soberania americana sobre as ilhas de uma vez por todas, ele não hesitou. Ordenou que a Companhia D da 9ª Infantaria dos EUA, composta por 66 homens e comandada pelo Capitão George Pickett, fosse imediatamente para a Ilha de San Juan. A missão de Pickett era clara: proteger os colonos americanos e impedir a qualquer custo a prisão de Lyman Cutlar pelas autoridades britânicas. Pickett, que anos mais tarde se tornaria infame por liderar a desastrosa “Carga de Pickett” na Batalha de Gettysburg durante a Guerra Civil Americana, desembarcou na ilha em 27 de julho de 1859 e declarou que todo o arquipélago era território dos Estados Unidos. Ele estabeleceu um acampamento e se preparou para o confronto, supostamente declarando: “Nós faremos um Bunker Hill disso!”.
A chegada de tropas americanas foi vista pelos britânicos como uma invasão e uma provocação inaceitável. O governador da Colúmbia Britânica, James Douglas, não perdeu tempo. Em resposta, ele despachou três navios de guerra da Marinha Real Britânica para a região: o HMS Tribune, o HMS Satellite e o HMS Plumper. Juntos, esses navios carregavam mais de 60 canhões e centenas de fuzileiros navais, um poder de fogo esmagadoramente superior à pequena companhia de infantaria de Pickett. Os navios de guerra ancoraram na baía, seus canhões apontados diretamente para o acampamento americano. A situação era explosiva. A qualquer momento, um comando mal interpretado ou um soldado nervoso poderia disparar o primeiro tiro, mergulhando as duas nações em uma guerra que ninguém em Londres ou Washington realmente desejava.
Durante semanas, a tensão no ar era palpável. Reforços foram enviados para ambos os lados. Ao final de agosto, o contingente americano na ilha havia crescido para quase 500 soldados, com artilharia pesada, sob o comando do Coronel Silas Casey. Do lado britânico, o número de fuzileiros navais prontos para o desembarque chegava a mais de mil homens, com um total de cinco navios de guerra e mais de 160 canhões. Os dois exércitos se encaravam, trocavam insultos e provocações através da água, mas, curiosamente, a ordem para atirar nunca veio. O Contra-Almirante Robert L. Baynes, comandante da esquadra britânica no Pacífico, ao chegar e avaliar a situação, demonstrou um bom senso notável. Ele se recusou a seguir as ordens do Governador Douglas para desembarcar suas tropas e atacar os americanos, declarando que não envolveria duas grandes nações “em uma guerra por causa de uma briga sobre um porco”.

A Ocupação Pacífica: Uma Guerra Fria em Miniatura
A notícia do impasse militar finalmente chegou às capitais. Em Washington D.C., o presidente James Buchanan ficou chocado com a escalada provocada pelo General Harney sem sua autorização. Ele sabia que uma guerra com a Grã-Bretanha seria desastrosa para os Estados Unidos. Do outro lado do Atlântico, o governo britânico também estava alarmado com a possibilidade de um conflito por um motivo tão ridículo. A diplomacia, que deveria ter agido desde o início, finalmente entrou em cena. O presidente Buchanan enviou o General Winfield Scott, um herói da Guerra Mexicano-Americana e um dos militares mais respeitados do país, para negociar uma solução pacífica e acalmar os ânimos.
O General Scott chegou à região em outubro e conseguiu negociar um acordo com o Governador Douglas. A solução foi tão única quanto o conflito: uma ocupação militar conjunta e pacífica da Ilha de San Juan até que a questão da fronteira pudesse ser resolvida diplomaticamente. Foi acordado que cada lado manteria uma presença simbólica de, no máximo, 100 homens. O acampamento americano permaneceu onde estava, no sul da ilha, enquanto os Fuzileiros Navais Reais Britânicos estabeleceram seu próprio “Acampamento Inglês” no norte. A partir de então, e por mais de uma década, soldados que antes se preparavam para lutar uns contra os outros se tornaram vizinhos.
Essa fase da “guerra” é talvez a mais surreal. Longe de ser um período de hostilidade, a ocupação conjunta se transformou em uma convivência surpreendentemente amigável. Os soldados de ambos os campos frequentemente se visitavam, organizavam corridas de cavalo, jantares e celebravam feriados juntos. Eles trocavam jornais, tabaco e até mesmo piadas sobre a “guerra” que estavam travando. O acampamento britânico era conhecido por sua ordem e jardins bem cuidados, enquanto o acampamento americano tinha uma reputação mais rústica e barulhenta. Essa interação constante ajudou a humanizar o “inimigo” e a reforçar para os próprios soldados a completa absurdidade de lutar por causa de um porco. Eles estavam ali, representando suas nações em uma disputa territorial, mas na prática, estavam apenas passando o tempo em uma ilha remota, forjando amizades improváveis.

O Fim da Disputa e o Legado do Porco
A ocupação conjunta durou longos 12 anos. Enquanto isso, os Estados Unidos mergulharam em sua sangrenta Guerra Civil, o que colocou a disputa pelas Ilhas San Juan em segundo plano. Somente após o fim da guerra e a reconstrução do país, a questão voltou à pauta diplomática. Em 1871, os governos americano e britânico concordaram em submeter a disputa da fronteira a uma arbitragem internacional. Eles escolheram uma parte neutra e respeitada para tomar a decisão final: o Imperador Guilherme I da Alemanha. Uma comissão de três especialistas foi nomeada por ele para estudar os mapas, os tratados e os argumentos de ambos os lados.
Finalmente, em 21 de outubro de 1872, a decisão foi anunciada. O árbitro alemão decidiu a favor dos Estados Unidos, determinando que a fronteira deveria seguir pelo Canal de Haro, a oeste. A decisão concedeu a posse definitiva de todo o arquipélago de San Juan aos americanos. A reação foi de alívio e aceitação. Em novembro de 1872, os Fuzileiros Navais Reais Britânicos se retiraram pacificamente da ilha, encerrando formalmente a ocupação e um dos confrontos mais bizarros da história militar. A única baixa de todo o conflito, que durou mais de uma década desde o tiro inicial, continuou sendo o infeliz porco de Charles Griffin.
Hoje, as Ilhas San Juan são um destino turístico popular, conhecido por sua beleza natural, vida selvagem e tranquilidade. Os locais dos acampamentos americano e britânico são preservados como parte do Parque Histórico Nacional da Ilha de San Juan, testemunhas silenciosas de uma época em que duas nações poderosas estiveram à beira da guerra por um motivo trivial. A Guerra do Porco serve como um poderoso e bem-humorado lembrete de como disputas aparentemente pequenas podem escalar rapidamente quando o orgulho nacional entra em jogo, mas também como a diplomacia e o bom senso podem, no fim das contas, salvar o dia. É uma lição de história que nos ensina que, às vezes, é melhor conversar do que deixar que o primeiro porco torça o rabo.
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